sexta-feira, 8 de abril de 2011

Escrita e Tecnologia

Nos remetemos a um texto clássico de Platão, mais especificadamente ao Fedro. Sócrates narra ao discípulo a visita de Theuth, o deus das invenções, a Thamus, rei do Egito. Theuth fala sobre a escrita, para ele uma receita segura para a memória e a sabedoria dos egípcios, e o faraó posiciona se contra a invenção, argumentando que “a invenção se coloca contra a sua verdadeira função, pois ao contrario de exercita-la se tornarão esquecidos, pois confiarão na escrita para trazer a sua lembrança, em vez de fazer por meios internos”.

A escrita assim se apresentava perigosa, pois diminuiria os poderes da mente. Como se pudesse assim o faraó ao pensar na mente em exercício e olhar para um texto escrito, dizer, “isto vai matar aquilo”.

Toda  e qualquer inovação tecnológica tanto é um fardo como uma benção, não uma coisa ou outra, mas sim isto e aquilo.

Cabe a nós refletir sobre as mudanças (mais do que os benefícios e malificios) que ocasiona na percepção da realidade. E no caso do computador nas mudanças de maneiras de pensar e aprender.

Estes receios que sentimos hoje em relação a tecnologia são repetições históricas de outros momentos que o ser humano já viveu, como no caso da invenção da escrita, da imprensa, dos livros, da TV. Sempre relativizamos as novidades tecnológicas e mudanças, esquecendo que a cada mudança nos oportunizamos a nos desenvolver de outra forma  em outra dimensão ainda não vivida, não eliminando o conhecimento e a forma anterior e ampliando a condição de compreensão e entendimento da realidade a cada vez que nos dispomos a ver e viver diferentemente com o uso de outra ferramenta tecnológica.

Atualmente ocorre uma mudança radical na forma de adquirir conhecimento através de textos com o aparecimento do hipertexto, a forma de estruturar raciocínio, aprendizado e conhecimento afastam se cada vez mais do texto comum impresso, gerando inúmeras possibilidades de formatação do conhecimento.  



Para os gregos antigos combinar os termos téchne (arte, destreza) e logos (palavra) orientava o  discurso sobre o sentido e finalidade das artes. Técnica  e arte no mundo grego  possuíam pequena distinção. A téchne não era habilidade qualquer (requeria o uso de certas regras). Heródoto, primeiro a definir o termo téchne, apresenta o como “um saber fazer de forma eficaz”. Já Platão define como “a realização material e concreta de algo”.

A inteligencia do homem permite lhe transformar pela téchne a realidade da natureza em uma realidade artificial com finalidades de subsistência e proteção.

Segundo Aristóteles a téchne é superior a experiência, mas inferior ao raciocínio.

Para os gregos enquanto a epistéme era um conhecimento teórico a téchne era um conhecimento prático.

Na idade média o termos ars tinha o mesmo sentido do téchne grega, no entanto ars mechanica foi assumindo as características do termo técnica como o entendemos hoje.

Na idade moderna a técnica foi incorporada ao saber (ciência). Fusão que abriu novo espaço de conhecimento, a tecnologia, técnica que emprega a ciência e a fundamenta, quando lhe dá aplicação prática. A tecnologia torna se assim conhecimento aplicado.

Grande debate atual ocorre hoje em relação a tecnologia, e  refere se a imposição de distinções entre ciência pura e ciência aplicada, geradas pela ciência moderna. Imputando a ciência aplicada o uso benigno ou perverso do conhecimento. Nega se assim a neutralidade cientifica, e ignora se que a tecnologia bem ou mal, vai criando um novo ambiente humano, modificando a própria sociedade. A interação dos indivíduos com a tecnologia tem transformado profundamente os próprios indivíduos, produzindo novos sujeitos, com novas capacidades e habilidades.

O temor em relação ao novo faz parte da história do homem. O surgimento de qualquer novo dispositivo tecnológico tende a ameaçar competências adquiridas.

A introdução de uma nova tecnologia não torna automaticamente obsoletas as tecnologias anteriores e, na maioria das vezes, as tecnologias mais avançadas incorporam aquelas que as precederam, nas quais estão virtualmente contidas.

A cada nova tecnologia de escrita a nossa forma de pensar e ver o mundo sofre influencias, mudando a maneira  como entendemos o conhecimento e alterando hábitos de conhecimento profundamente enraizados.

A escrita pelo computador, através dos processadores de texto e editores de hipertexto, altera a noção de autoridade, como a própria expressão define : a ação do leitor ou de vários leitores torna-se não só possível, mas inerente a própria experiência hipertextual – o leitor ao ler traça o seu caminho, ele mesmo um texto sobre o texto.


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